O Sapato de Vidro (da Marinha)
A nossa história da Cinderela é muito menos glamorosa que a da Disney, ainda que se aproximem nas questões de casting.
Esta ideia romantizada de que os dóceis e trabalhadores emigrantes Portugueses são bem vistos e recebidos em qualquer parte do mundo, ignora - propositadamente, diria eu - todas as dificuldades que muitos dos nossos passaram no estrangeiro.
Houve, por exemplo, uma comunidade de gente a viver em bairros de lata nos arredores de Paris nos anos 60 e 70 do século passado, e o caráter de toda uma nação foi colocado em causa no seguimento de um grave caso de violação ocorrido nos anos 1980, nos Estados Unidos.
Mas, apesar de tudo isto, o Português sempre teve a sorte de se confundir com os nativos de muitos dos países para onde se mudou (mudou, não colonizou - porque isso é outra história), e soube colher os, respetivos, benefícios.
Sem querer desfazer da habilidade que temos para fazer de qualquer sociedade o nosso novo lar, há que mencionar a facilidade com que nos separamos dos outros imigrantes, os "maus imigrantes," aqueles que nos fazem parecer a melhor alternativa.
Acontece que, com as devidas exceções, os migrantes de todas as nacionalidades partilham o mesmo objetivo: alcançar uma vida melhor, para si e para os seus.
E isto inclui aqueles que vivem e trabalham atualmente em Portugal. Não são mais nem menos que os Portugueses que tomaram a mesma decisão e merecem o mesmo tratamento. Independentemente de vestirem de forma diferente ou rezarem a outros deuses. E também devem receber os castigos apropriados, caso infrinjam as leis do país que habitam.
Sei que é uma situação delicada - com mais nuances que um quadro do Van Gogh - mas, por isso mesmo, deve ser tratada com cuidado, porque estamos todos a uma crise ou guerra ou pandemia ou desastre natural de passarmos, também, a ser pessoas que migram.
E quem não tem sapato de vidro que chute a primeira pedra.