O 32 de Março
Era uma vez um rei que odiava perder; as chaves do castelo, a paciência e, acima de tudo, apostas. Era, exatamente por isso, aliciado com os mais variados desafios por toda a corte.
"Sua Alteza não conseguirá, certamente, consumir todas estas canecas de ale antes do clarear do dia," dizia alguém, de sorriso maroto, pouco antes do rei se sentar à mesa e começar a emborcar o líquido de penalti.
Até que um belo dia, com o peito cheio do orgulho de quem tinha acabado de vencer mais uma competição em contra-relógio, o monarca se vê a aceitar uma aposta, digamos, diferente. E, assim, por absolutamente mais nada a não ser o prazer de vencer, sela com um aperto de mão o destino dos calendários do mundo.
A tarefa era complicada que chegasse, mas foi o nosso rei quem achou necessário incluir a cláusula que descambou com o resto: com a sua identidade escondida, teria até ao final do mês para fazer uma moça casadoira apaixonar-se por si. Fácil.
Só não contava com a dificuldade de encantar raparigas sem o seu título e toda a infuência que dele advinha. Contudo, e depois das várias prisões que decretou por suspeita de jogo sujo, lá percebeu que a sua personalidade deixava um tantinho a desejar e tratou de arranjar outra.
Quando a farsa parecia estar a surtir efeito na filha do leiteiro, a data limite fez-se anunciar por uma carta anónima que, num tom provocador, dava a aposta como perdida, e o rei perdeu a cabeça.
Sem qualquer consideração pela jovem mulher, insinuou-se no seu quarto nessa mesma noite e na manhã seguinte estavam noivos.
A chegada ao palácio, de mãos dadas com a sua vitória, azedou de imediato a sua disposição. Os cortesãos que não sussuravam a sua desgraça, mal continham os sorrisos de desdém e o rei não o podia permitir.
Sem tempo para pensar nas consequências, dirigiu-se à pequena multidão nos seguintes modos:
"Caros amigos, apresento-vos a vossa futura rainha. Que, até há minutos, pensava estar noiva de um sapateiro que nem dinheiro tinha para arranjar os seus próprios sapatos. Torno-me, assim, no homem mais feliz do mundo, pois terei, não só, ganhado a melhor esposa como a aposta que me levou até ela."
O silêncio que se abateu pela sala podia ser cortado à navalha, até que uma voz ousou dizer o que todos ali pensavam: "Sua Alteza, com a sua permissão, o cabo do mês foi ontem."
A gargalhada que o rei soltou deixou todos de boca aberta, mas não sem explicação.
"O que dizes? Pois, se hoje é o dia 32 do glorioso mês de Março. Digo-to eu, o teu rei."
E ninguém ousou proferir uma única palavra que o contradissesse.
Pelo menos, até à sua morte prematura, a cavalo numa das suas conhecidas apostas. Já depois, a sua viúva não só o desmentiu como declarou o primeiro de Abril como o Dia das Mentiras, em homenagem ao rei que odiava perder e acabou de cabeça perdida.