A POCa Vergonha
As manhãs são sempre menos complicadas.
Antes de me deitar tenho de verificar portas e janelas, os bicos do fogão, o frigorífico, todos os interruptores que me ficam a caminho – e acender e apagar o do quarto um número específico de vezes - fechar a porta apenas e só após um específico número de tentativas, colocar o telemóvel no sítio certo – e nem um milímetro ao lado – tirar o meu roupão, um braço de cada vez – por essa ordem – e garantir que deixo os chinelos perfeitamente paralelos entre si – já que, se for preciso, levanto-me para confirmar, e geralmente é preciso. E só depois de terminar este meu ritual da noite posso, finalmente, deitar a cabeça na almofada pela quinta ou sétima vez e tentar, sim tentar, dormir.
Mas não de manhã. De manhã só tenho de me preocupar com interruptores, portas, torneiras, toalhas de esguelha, assentos de sanita teimosos, botões de microondas, colheres do lado errado da chávena, botões de camisas, de calças e de casacos, tampas de desodorizantes e batons do cieiro, e o ocasional palavrão ou dez.
As manhãs são sempre menos complicadas. Nunca disse que eram fáceis.