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Em Letras Pequeninas

Podem tirar a rapariga da farmácia, mas não podem tirar a farmácia da rapariga. Salvo seja…

Em Letras Pequeninas

Podem tirar a rapariga da farmácia, mas não podem tirar a farmácia da rapariga. Salvo seja…

31 de Março, 2022

Chamar o Gregório

Inês R.

Podia ter acontecido na fila para a peixaria, ou até mesmo na caixa, momentos depois de pagar, mas, felizmente, foi no estacionamento, já prestes a entrar no carro, que vomitei todo o meu pequeno-almoço.

Acredito que muitas das minhas leitoras se vão reconhecer nesta minha aventura despoletada pela visita da “tia Maria”.

Certos meses, as cólicas e o sangramento são acompanhados das mais horríveis dores de cabeça que só parecem responder aos analgésicos depois de me fazerem expulsar tudo o que trago no estomago (e mais o que não trago).

Este mês, fui apanhada de surpresa enquanto andava às compras no supermercado e percebi que o comprimido que tomei antes de sair de casa não estava a dar luta à enxaqueca que avançava, com a quinta metida, em direcção ao meu tubo digestivo.

Mas, apesar de tudo, não me posso queixar; o estacionamento estava quase deserto e, como parei o carro à beira de uma grade de escoamento de água, nem deixei grandes provas do “crime”.

E se não tivesse tido a ideia brilhante de partilhar convosco este momento alto do meu fim de semana, podia, simplesmente, fingir que não tinha acontecido.

Olha, fica para a próxima.

28 de Março, 2022

Bridgerton: Amor e Uma Contusão

Inês R.

Suspensão de descrença.

Sim, soa melhor em Americano, mas não é mais que fechar os olhos aos pormenores menos plausíveis que acontecem nos nossos filmes preferidos de forma a não arruinar a experiência à malta.

Eu sou a primeira a admitir que vejo e leio romances, não pelo seu rigor científico, mas porque são formas maravilhosas de escapar às duras realidades da vida – e porque sei que o final feliz é garantido.

Contudo, todavia, porém, há inconsistências das quais nem umas cenas de nudez estrategicamente filmadas nos conseguem distrair, e a nova temporada da série da Netflix, Bridgerton, tem uma que me saltou à vista mais que os traseiros dos protagonistas.

A cena é suposto fazer-nos respirar de alívio; depois de uma aparatosa queda de cavalo, debaixo de uma chuva intensa e enquanto fugia dramaticamente do seu amado, Kate perde os sentidos, permanecendo desacordada durante uma semana.

Quando, finalmente, acorda, perfeitamente penteada e maquilhada – é ficção, malta – não pede por um copo de água ou por algo que comer, mas antes pergunta se o seu mais-que-tudo a foi visitar. No momento seguinte, anuncia que precisa descansar da semana interirinha que passou deitada. Nem sequer pediu para usar o penico…

E eu até posso imaginar que algum familiar tenha tido discernimento o suficiente para forçar alguma água pela boca abaixo da paciente, mas não havia maneira de alimentar uma mulher adulta inconsciente no seu quarto de cama, em pleno século XIX, certo?

E a moça acorda, pede desculpa pelo incómodo que causou – não é tão lady like? – e não pergunta, ao menos, se se arranja um papo-seco com manteiga? Desculpem, mas não me acredito.

Apesar disto tudo, gostei da série, achei fofa.

Já aquelas versões clássicas de canções pop que eles decidiram usar como banda sonora davam outro texto…

24 de Março, 2022

Sobre Médiums – Parte II

Inês R.

Se eu acreditasse nestas coisas, diria que o meu último texto foi como que uma premonição, mas, na verdade, foi só o carrossel das novidades na Netflix a fazer das suas.

A série chama-se “Vida Após a Morte com Tyler Henry” e eu juro que os dezasseis minutos que passei a vê-la foram mais que suficientes para confirmar as minhas suspeitas: o rapaz pode ser bem-intencionado, mas o que ele faz é apenas uma espécie de adivinhação, informada pelas reações das pessoas sentadas à sua frente (e que estão, claramente, abertas à experiência).

Sei que há muito vidente por esse mundo fora que, simplesmente, faz a sua pesquisa antes da “consulta,” para assim ganhar a confiança da sua clientela, mas, na maioria dos casos, esta malta apenas vai atirando frases e palavras para o ar à espera de perceber se alguma delas “cola”.

E, escutem, se o fulano acredita verdadeiramente nas suas capacidades de médium e é sincero na sua ajuda, porque não deixar que as pessoas que o procuram (que estão, invariavelmente, a sofrer a perda de um ente querido) tirem algum conforto da situação?

Acontece que acreditar que certos indivíduos conseguem comunicar com os mortos é, normalmente, uma porta aberta para outro tipo de crenças que podem não ser tão benignas. Como quando um doente rejeita um tratamento médico por acreditar no poder curativo dos cristais, ou outras “medicinas alternativas” que tais.

Mas atenção que este texto não tem a mínima intenção de envergonhar quem procura este tipo de ajuda; quanto muito, é só mais uma oportunidade para alertar para os charlatães que ganham a vida a enganar pessoas nos seus momentos mais frágeis.

Videntes e Afins – postado a 29/07/2021

21 de Março, 2022

Médium de Farmácia

Inês R.

Ao que parece, eu fazia demasiadas perguntas ao balcão.

Sim, porque o utente é ignorante; sabe lá a diferença entre tosse seca ou produtiva. Pelo que, era sobre mim que recaía a responsabilidade de indicar os remédios certos para a farmácia, digo, para o utente.

Imagino que uma boa colaboradora, quando confrontada com um novo ser humano do lado de lá do balcão, o abordaria mais os menos assim:

“Bom dia, queria-“

“Não diga mais. Sai uma joelheira, tamanho M, e uma caixa de laxantes de aplicação retal.”

“Não, eu-“

“Peço imensa desculpa, tem toda a razão. Serão, então, duas caixas de laxantes e um lubrificante à base de água.”

“Obrigadinha, sim?”

E pensar que eu podia ter tido uma longa carreira como médium, digo técnica, de farmácia, se ao menos tivesse ignorado alguma desta minha chatinha responsabilidade profissional…

17 de Março, 2022

A Zaragatoa Toca Sempre Duas Vezes

Inês R.

O telefone toca na cozinha.

Do quarto pedem mais um Paracetamol e outra chávena de chá preto. Hei-de deixar ambos no banquinho que foi estacionado à porta da doente imediatamente antes de a avisar que pode recolher o pedido, qual Uber Eats residencial.

A casa de banho única confere um certo je ne sais quoi à experiência; tendo a coreografia de “abre janela, ‘desguicha’ desinfectante nas superfícies, limpa as ditas, e só depois faz o serviço” deixado de ter graça algures pela primeira dúzia de vezes em que foi repetida.

Mas o quadro não ultrapassou o de uma valente gripe e não houve visitas à senhora doutora, nem de carro nem de tinonim, e, no fim de contas, há que dar graças ao senhor das vacinas pelos escassos - se bem que intensos - sete dias de clausura.

Até porque podia ser pior; podíamos estar todos positivos ao mesmo tempo e, depois, quem é que atendia o telefone na cozinha?

14 de Março, 2022

Fazer Contas à Vida

Inês R.

Já não cortava o cabelo desde agosto passado. Dezoito euros. Mas não substituí as calças de ganga com as bainhas encolhidas pelas constantes lavagens. Quinze.

Esta semana comprei dois pacotes de arroz em vez de um e mais uma lata de atum que de costume. Três e uns trocos. Mas, na próxima, salto a ida ao supermercado. Meio risco no depósito.

Só que as previsões mais sombrias auguram contas demasiado altas para pagar, prateleiras vazias e ordenados em atraso; e isso não é cenário que se evite, simplesmente, “deixando de jantar fora”.

Boa. À raiva e frustração pela impotência que sinto diariamente em frente ao televisor, acabei de acrescentar mais um nível de ansiedade.

No entretanto, vou remendando os buracos das meias de casaco vestido, para não ter de ligar o aquecedor.

10 de Março, 2022

A Terra Foi à Taróloga

Inês R.

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Ok, Terra, corte o baralho, por favor.

Um, o (inserir número ou figura) de (inserir naipe). Interessante.

Vejo um futuro turbulento à sua frente.

As suas relações – principalmente as internacionais – vão andar tremidas. Aconselho que faça uso de alguma diplomacia.

A letra (inserir letra) diz-lhe alguma coisa? Ou talvez (inserir letra)? Não? Que estranho estou a sentir uma vibração forte vinda dessas letras…

Sim! Pode perfeitamente ser o nome de solteiro desse país! Viu. Eu sabia.

E é claro que podemos falar da sua vida financeira.

Sabe que aqueles seus habitantes ricos que insistem que os outros “deviam era parar de se queixar tanto e fazer menos pontes no trabalho”? Se calhar era altura de lhes cortar a mesada. O privilégio subiu-lhes à cabeça.

Oh…

Nada. Quer dizer, não posso, em consciência, deixar de a aconselhar a cuidar da sua saúde. Vejo problemas respiratórios e de circulação sérios. Problemas que já só lá vão com cirurgias radicais. Não, a medicação abranda um pouco a progressão da doença mas não traz a cura.

Bem…

Eu gostava mesmo de lhe poder dar boas notícias, mas, infelizmente, as cartas não mentem.

Só lhe posso desejar boa sorte.

A menos que esteja interessada numa limpezazita espiritual?

O que me diz?

Imagem: By Priyankabeawar - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=88989853

07 de Março, 2022

Conversa de Escritório

Inês R.

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No outro dia, dois colegas de trabalho perguntaram-me, em momentos separados, porque não tiro a máscara, quando passo grande parte do dia sozinha.

E, em bem da verdade, sim, passo bocados consideráveis do meu expediente apenas na minha própria companhia, mas também tenho constantemente pessoas – com sistemas respiratórios perfeitamente funcionais – a passar e/ou a fazer sala nos dois metros quadrados a que chamo o meu local de trabalho, pelo que considero o meu sacrifício justificado.

No entanto, o ponto que quero fazer neste texto é o facto de a minha decisão de manter a máscara colocada enquanto trabalho – maioritariamente, por respeito pelos outros, entenda-se – fazer, como direi, espécie, a pessoas que não são, portanto, eu.

Poderia, até, ir mais longe e inferir que esta minha peculiaridadezinha deve ter sido motivo de conversa num qualquer almoço de sexta-feira, para ter inspirado o mesmo comentário por parte de duas pessoas que, geralmente, se ficam pelo “bom dia” e o “até amanhã”.

Mas, o pior disto tudo, é que nem posso fingir que não fiquei incomodada com a situação, porque aqui estou eu a escrever um texto para o meu blog sobre a dita.

Imagem: By Impressionmanufacturer - Own work, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=46461797

03 de Março, 2022

Não Ao Nuclear

Inês R.

No_nuclear_energy.png

Admito que não sei o suficiente sobre as potenciais vantagens da energia nuclear para começar um debate sobre o assunto, mas a falha que lhe conheço é, para mim, suficientemente significativa para ser taxativamente contra a sua utilização:

Em caso de desastre (natural ou outro), é praticamente impossível de controlar, trazendo consequências devastadoras.

(isto, sem sequer entrar no tema das armas nucleares e da competição adolescente do “a minha ogiva é maior que a tua”)

E é o mesmo argumento que utilizo para defender a minha posição contra a pena de morte: se existe a possibilidade de uma falha grave (seja a morte de um inocente ou uma fuga radioactiva), então, nada justifica a sua implementação.

Eu entendo que, às vezes, os fins parecem justificar os meios, mas, neste caso, tenho de me admitir completamente intransigente. Tão intransigente como uma mãe que teve de levar o miúdo com ela ao supermercado e não tem planos absolutamente nenhuns de lhe comprar tudo o que ele lhe pede.

“A mãe compra-te uma central nuclear à saída, Bruno Miguel. Agora levanta-te que as pessoas estão a olhar.”

Imagem: By Matiasguffanti - Own work, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17732854